Palestra para o IFRJ – Paracambi (CoEx CPar): A força da luz – das pinças óticas aos veleiros solares

14/09/2020

https://youtu.be/O8qMatqkMYk

Resumo:

Irei abordar um aspecto muito pouco familiar da luz: a sua capacidade de exercer forças sobre corpos materiais. Em nossa vivência diária, lidamos de forma frequente com a energia transportada pela luz. Ao ser absorvido por um material opaco, um feixe de luz transfere toda a sua energia ao meio material, produzindo aquecimento.  Além da energia, a luz transporta uma outra grandeza física muito importante para entender as forças mecânicas: o momento linear, também conhecido como quantidade de movimento. Ao ser atingido por um projétil, um corpo material é empurrado porque herda o momento linear do projétil. De forma análoga, um corpo é empurrado ao absorver ou refletir um feixe de luz. Este efeito, muito pequeno para ser observado em situações usuais do dia-a-dia, é responsável pela propulsão de veleiros solares viajando no espaço. A força exercida pela luz também está na origem do funcionamento da pinça ótica, que valeu ao seu inventor, o cientista Arthur Ashkin, o prêmio Nobel de física de 2018.

Blog Ciência & Matemática do jornal O Globo:

Física em tempos de pandemia: como as máscaras de proteção facial bloqueiam aerossóis?

29/10/2020

Em mais uma reviravolta espetacular, o Centro para Controle de Doenças norte-americano (C.D.C. na sigla em inglês) alterou novamente a sua recomendação sobre a pandemia Covid-19 no início deste mês de outubro, alertando para a possibilidade de transmissão por meio de aerossóis. Uma recomendação de teor semelhante havia sido retirada do ar alguns dias após a sua postagem em meados de setembro.

Por que a possibilidade de contágio por aerossóis é tão importante?

Um artigo anterior apresentou uma introdução aos aerossóis – partículas sólidas ou micro-gotas líquidas que permanecem muito tempo em suspensão no ar em razão de serem muito pequenas. Aqui nos interessam as micro-gotas de fluido corporal expelidas ao respirar e, em maior quantidade, ao falar. Neste segundo caso, são expelidas gotas na faixa de centenas de nanômetros até centenas de mícrons (1 mícron = 1 milésimo de milímetro = mil nanômetros).

Evidências indicam que o coronavírus SARS-Cov-2 é transportado por aerossóis com diâmetros na faixa de alguns mícrons. O tempo médio em suspensão de uma micro-gota de fluido corporal decresce rapidamente em função do seu tamanho. Para uma altura inicial de 1,5 metros, o tempo em suspensão varia de cerca de 30 minutos (diâmetro de 5 mícrons) para cerca de 12 horas (diâmetro de um mícron).

Assim, em locais fechados com pouca ventilação, aerossóis portadores de coronavírus podem ficar em suspensão no ambiente por tempo suficiente para provocar eventos super-espalhadores, em que dezenas de pessoas são infectadas de uma só vez.  Por exemplo, alguns dias após a cerimônia de indicação de um novo membro da Suprema Corte norte-americana, pelo menos doze participantes – entre senadores, assessores e o próprio presidente Trump – testaram positivo para a Covid-19.

O ausente mais notável nesta cerimônia foi a máscara de proteção facial. Máscaras com certificação N95 (Estados Unidos) ou KN95 (China) são equipamentos muito eficientes para a prevenção de contágio por bloquearem no mínimo 95% dos aerossóis transportados no processo de inspiração.

O recheio de uma máscara N95 é formado por várias camadas de fibras emaranhadas de polipropileno (um tipo de plástico).  As fibras são muito finas: os diâmetros típicos variam de alguns mícrons até dezenas de mícrons, como ilustrado na imagem de microscopia eletrônica de varredura mostrada abaixo, onde a barra horizontal corresponde a 20 mícrons (retirado de https://groups.oist.jp/nnp/diy-face-mask).

fibras_mascaraN95O espaçamento médio entre as fibras é muito maior do que os aerossóis a serem bloqueados: as máscaras não funcionam como peneiras! Na verdade, o objetivo é fazer com que os aerossóis colem nas fibras à medida em que o ar atravessa a máscara.

Aerossóis muito pequenos, com tamanhos de cerca de 100 nanômetros ou menores, são capturados com alta eficiência. Neste caso, o movimento Browniano em zig-zag, de caráter probabilístico, faz com que o aerossol excursione por uma região espacial grande ao acompanhar (na média) o fluxo de ar através da máscara. Assim, é inevitável que o aerossol se aproxime de alguma fibra antes de concluir a travessia, como indicado no desenho abaixo (adaptado de https://groups.oist.jp/nnp/diy-face-mask).

desenho_mascaraQuando a distância para alguma fibra é da ordem de dezenas de nanômetros, entra em cena a atração de van der Waals, uma interação de origem quântica, universal e muito intensa nesta escala de distâncias. É esta atração que promove a captura do aerossol pela fibra.

Aerossóis um pouco maiores, na faixa de centenas de nanômetros, tendem a seguir a linha de corrente do fluxo de ar, contornando a fibra e se mantendo, assim, a uma distância grande demais para que a atração de van der Waals tenha o efeito desejado. Por esta razão, as fibras de uma máscara N95 são eletricamente carregadas de forma a produzir uma força de atração eletrostática, cujo alcance é muito mais longo do que o da atração de van der Waals.

Finalmente, um aerossol ainda maior é facilmente capturado pelas fibras, já que seu movimento é de natureza balística. De fato, para diâmetros de alguns mícrons, o aerossol não acompanha os contornos do fluxo de ar em razão da sua maior inércia. Este seria o caso de maior interesse na prevenção da Covid-19.

No último artigo desta série, veremos como a interação de van der Waals, que é tão fundamental no funcionamento das máscaras de proteção, surge a partir da natureza probabilística da física quântica.

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27/08/2020

Por que usar máscaras? A física por trás da transmissão da Covid-19 pelo ar  

Como escrever sobre física básica em meio à pior pandemia das últimas décadas? Veremos aqui como a física fornece os elementos essenciais para a compreensão de um importante mecanismo de contágio da Covid-19.

Neste artigo, estamos interessados em gotículas muito pequenas, com tamanhos variando de centenas de nanômetros até alguns mícrons. Vejamos algumas definições: 1 mícron representa um milésimo de milímetro, ao passo que um nanômetro representa um milésimo de um mícron. Um fio de cabelo tem diâmetro de cerca de 100 mícrons ou um pouco menor, dependendo da pessoa. O tamanho de bactérias é tipicamente da ordem de 1 mícron. Bactérias e outras células biológicas são muito pequenas para serem visualizadas a olho nu, mas podem ser observadas com auxílio de um microscópio ótico.

Da mesma forma, as micro e nano-gotículas de fluido corporal expelidas ao respirar são invisíveis a olho nu. Ainda assim, propiciam um mecanismo importante de contágio [1]. De fato, as gotículas invisíveis transportam o coronavírus SARS-Cov-2 de um doente com Covid-19 diretamente para as vias respiratórias de uma outra pessoa, provocando a infecção.

Por serem muito pequenas, gotículas com tamanho na faixa de centenas de nanômetros se comportam de forma muito diferente de gotas macroscópicas. Por exemplo, o movimento de gotas de chuva, cujo tamanho é de cerca de um milímetro ou maior, é determinado sobretudo pela atração gravitacional pelo planeta Terra. Quando comparado ao da gota de chuva, o volume de uma gota micrométrica é um bilhão de vezes menor. Em consequência, sua massa também será aproximadamente um bilhão de vezes menor, fazendo com que a atração gravitacional seja desprezível. Ao invés de cair como uma gota de chuva, uma gota de centenas de nanômetros permanece suspensa no ar ambiente, executando um movimento errático, pois sua massa tão diminuta faz com que seja muito sensível às colisões com as moléculas que compõem o ar.

Partículas líquidas ou sólidas em suspensão e dispersas em um gás são chamadas de aerossóis. Por serem muito pequenas (tamanho sub-micrométrico), executam um movimento errático, chamado de movimento Browniano, conforme ilustrado pela trajetória representada na figura abaixo [2].

mov browniano

Ao contrário do movimento balístico de um gota macroscópica, o movimento de aerossóis tem caráter probabilístico, por resultar de um número enorme de colisões não controladas com as moléculas do gás.

Em ambientes pouco ventilados, aerossóis de centenas de nanômetros ficam em suspensão no ar ambiente por várias horas, executando movimentos aleatórios que facilmente contornam protetores faciais ou máscaras mal ajustadas ao rosto.

Num próximo artigo, veremos como as máscaras com certificação N95 conseguem bloquear os aerossóis. Pelo que vimos, não seria boa idéia utilizar um sistema semelhante a uma peneira, em que pequenos orifícios tentariam bloquear a passagem dos aerossóis, já que estes são extremamente pequenos. Na verdade, uma máscara N95 está muito longe de ser uma peneira nanométrica. Veremos que a estratégia vencedora se baseia no caráter probabilístico do movimento Browniano executado pelos aerossóis.

Este exemplo ilustra o papel central da ciência básica para os desenvolvimentos tecnológicos de nossa história recente. Muitos outros exemplos poderiam ser mencionados – como o do projeto Manhattan nos anos 40. Qualquer projeto nacional de desenvolvimento tecnológico sem apoio concomitante à ciência básica estará, de antemão, condenado ao fracasso. Como diria um colega: não se colhem frutos sem antes plantar a árvore!

[1] https://www.nytimes.com/2020/07/30/opinion/coronavirus aerosols.html?searchResultPosition=11

[2]  http///www.2physics.com/2006/10/brownian-motion-of-ellipsoidal.html

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11/10/2018

O Prêmio Nobel de Física de 2018

Metade do prêmio Nobel de Física deste ano foi concedido ao norte-americano Arthur Ashkin pela invenção das pinças óticas. Com esta escolha, a Real Academia de Ciências da Suécia  finalmente reconheceu a contribuição pioneira de Ashkin no uso da luz laser para capturar átomos e micro-partículas.

Esta linha de pesquisa desenvolvida por Ashkin desde os anos 70 explora um aspecto muito pouco familiar da luz: a sua capacidade de exercer forças sobre corpos materiais. Em nossa vivência diária, lidamos de forma frequente com a energia transportada pela luz. Ao ser absorvido por um material opaco, um feixe de luz transfere toda a sua energia ao meio material, produzindo aquecimento.  Além da energia, a luz transporta uma outra grandeza física muito importante para entender as forças mecânicas: o momento linear. Ao ser atingido por um projétil, um corpo material é empurrado porque herda o momento linear do projétil. De forma análoga, um corpo é empurrado ao absorver ou refletir um feixe de luz. Este efeito, muito pequeno para ser observado em situações usuais do dia-a-dia, é responsável pela propulsão do veleiro solar japonês IKAROS, que passou pelo planeta Vênus em dezembro de 2010.

Na escala microscópica, os efeitos do momento linear da luz são muito mais importantes. Em 1970, Ashkin mostrou como empurrar bolinhas de latex microscópicas usando um feixe de luz produzido por um laser (o laser havia sido inventado poucos anos antes). Na pinça ótica, inventada por Ashkin e colaboradores em 1986, um único feixe de luz laser fortemente focalizado exerce uma força ótica sobre uma micro-partícula transparente de tal forma a aprisioná-la na vizinhança do foco. Desta forma, a posição da partícula pode ser controlada realizando uma translação espacial do ponto focal. Tudo se passa como numa pinça, mas não há nenhum contato mecânico com a partícula – apenas a luz é responsável pela sua manipulação.

Pinças óticas também permitem a captura e manipulação de células vivas, sem alterar as suas funções vitais. Nas pinças óticas, não há troca de energia porque as partículas ou células aprisionadas são sempre transparentes, evitando assim a possibilidade de aquecimento. Como é possível transferir momento linear, e assim exercer uma força, e ao mesmo tempo não transferir energia? Isto ocorre porque o momento da luz é um vetor que aponta na direção de propagação do feixe. Ao desviar o feixe, como por exemplo numa reflexão, há uma troca de momento entre a luz e a partícula capturada, dando origem à força ótica, mesmo quando não há nenhuma absorção.

Um dos colaboradores de Ashkin no trabalho de 1986, o norte-americano Steven Chu, já havia recebido o Nobel de física de 1997, juntamente com o também norte-americano William Phillips e o francês Claude Cohen-Tannoudji, pelo desenvolvimento de métodos de resfriamento e captura de átomos usando a luz laser. Esta área de pesquisa, fortemente influenciada pelos trabalhos pioneiros de Ashkin, teve um desdobramento importante, contemplado por um terceiro Nobel de física, o de 2001, pela realização de condensados atômicos de Bose-Einstein.

Como se vê, o pioneirismo de Ashkin contribuiu para o desenvolvimento de áreas da física fundamental de grande impacto científico. Com o passar do tempo, as pinças óticas se consolidaram como uma ferramenta essencial por suas aplicações em física e biologia. No Brasil, diversos grupos de pesquisa atuam em áreas relacionadas às forças óticas. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Laboratório de Pinças Óticas desenvolve várias aplicações em ótica e biologia celular, incluindo medidas de forças de interação na escala do femtonewton (cerca de dez bilhões de vezes menor do que a força peso de um mosquito!).

A outra metade do prêmio Nobel de Física de 2018 também teve um significado especial, por ter sido o primeiro concedido a uma mulher, a canadense  Donna Strickland, 55 anos após o Nobel de física de Maria Goeppert-Mayer. Em toda a história, apenas três mulheres receberam o Nobel de física (Marie Curie foi a primeira mulher a recebê-lo em 1903). Strickland dividiu esta metade do prêmio com o  francês Gérard Mourou, pela descoberta de um método de geração de pulsos de luz laser extremamente curtos e intensos.

Questões sobre representatividade de gênero são atualmente bastante discutidas na comunidade científica. O baixo número de mulheres em física e outras ciências exatas gera um ciclo perverso que se auto-alimenta. Por não perceberem exemplos de mulheres cientistas, meninas tendem a sonhar com a carreira científica menos frequentemente do que seus colegas meninos. Este viés é muitas vezes reforçado pelas famílias e escolas.

Para virar o jogo perverso da baixa representatividade, surgiram diversas iniciativas importantes nos últimos anos.  A Sociedade Brasileira de Física criou o prêmio Carolina Nemes para físicas mulheres em início de carreira, homenageando uma brilhante física teórica brasileira falecida precocemente. Três jovens professoras do Instituto de Física da UFRJ, Elis Sinnecker, Tatiana Rappoport e Thereza Paiva,  criaram o programa ‘Tem Menina no Circuito’, com apoio do Instituto Serrapilheira. O objetivo é despertar o interesse de alunas do ensino médio em ciências exatas e tecnologia. Neste contexto, o reconhecimento da contribuição científica de Donna Strickland tem um potencial multiplicador notável ao quebrar o estereótipo de gênero em ciências exatas.